espectáculos
menu principal
programação
quem somos
espectáculos
apoios
press release
newsletter
animação
itinerância
formação
contactos
bilheteira
links
Os Persas

de Ésquilo

estreia em Coimbra, a 28 de Janeiro de 1999

Pátio da Inquisição

total de espectáculos - 22 (Coimbra, Évora e Braga)
total de espectadores - 2.172

19ª produção - A Escola da Noite©Janeiro1999


Ficha Técnica:
•••Tradução: Manuel de Oliveira Pulquério.
•••Encenação: Pierre Voltz.
•••Elenco:
•••••••••Corifeu > Mário Montenegro
•••••••••Rainha > Sílvia Brito
•••••••••Mensageiro > António Jorge
•••••••••Dario > Isabel Leitão
•••••••••Xerxes > Sílvia Brito
•••••••••Rainha > Sofia Lobo
•••••••••Coro > Alexandre Ventura, João Saboga, Margarida Dias, Maria Simões, Pedro Laranjo, Raúl Rosário, Ricardo Silva e Ruy Malheiro
•••••••••aias > Elsa Rajado e Patrícia Simões
•••Cenografia: Pierre Voltz.
•••adaptação dos coros: Mário Jorge Bonito.
•••Figurinos: Rachid Dradar.
•••Música: Lakis Karalis.
•••Luzes:Mário Montenegro.
•••Fotografia: Augusto Baptista.
•••Grafismo: Ana Rosa Assunção.
•••Direcção de montagem: António Jorge.
•••Execução de figurinos: Rachid Dradar, Elsa Rajado, Isilda Rodrigues e Anabela Ferreira.
•••Direcção de cena: Ruy Malheiro e Margarida Dias.
•••Operação de luz e som: Rui Cepeda.
•••Colocação de espectáculos: Rui Valente e Pedro Laranjo.
•••Promoção e divulgação: Rosário Romão.
•••Relações com a imprensa: Isabel Campante.
•••Colaboração: Anne-Marie Simon e Maria Skoupa.
Os Persas

Palco onde o homem actua

1
Desse fascinante fenómeno (cultural, religioso, político) que constitui o teatro antigo dos gregos, "o tempo das perguntas", como tão bem o definiu Barthes, interessou-nos um filão particularmente luminoso: o interesse de alguns dos principais autores em recriar personagens que exprimem a voz dos vencidos.

Com "As Troianas" inaugurámos um ciclo que percorre esse filão.

2
"(…) ninguém se lembra de reflectir sobre a tragédia grega, onde o optimismo se manifesta na capacidade de suportar o medo. Onde não se fecham os olhos perante o que assusta. Eis a força dessa cultura: não fechar os olhos, não tornar tabú o que não é compreensível, nem justificável, o que não tem solução. Antes mencionar as questões fundamentais, as passagens de fronteira, como verdadeiro princípio vital no teatro" (Heiner Müller, entrevista a Anabela Mendes, in teatruniversitário nº 7/8, TEUC, Coimbra, 1983).

Uma leitura a contrario estava implícita nesta afirmação de Müller. Ele sabia do que falava, porque falava, em primeiro lugar, da sua realidade, da travessia que fez por essa realidade a que se chamou socialismo e que quase ia ferindo de morte uma utopia maior dos homens. Mas, Müller alargava a sua crítica ao devir da civilização ocidental e à reconstrução da ideia de Europa.

O fascínio de Müller pela força da cultura grega era bem compreensível. Desde logo, porque a pertinência das atitudes fundamentais dos gregos lhe exigia um juízo permanente acerca dos nossos valores, da nossa sociedade e do nosso teatro. Depois, porque servia de fundamento à sua escrita dramática. A escrita de Müller, bem à maneira grega, é, ao mesmo tempo, poética, profética e problematizadora. O sangue é o cimento dessa fusão. Através dessa escrita, reconstruía-se uma atitude e um discurso que faziam a ponte com essas nossas raízes longínquas. O teatro, o palco onde o homem actua, era agora uma fronteira ténue entre o arcaico e o contemporâneo, um fio de navalha.

Aconteceu nesse maravilhoso "tempo das perguntas" dos gregos a infância da Europa. Aí se estruturou todo o nosso pensamento. Foi assim com a Filosofia, foi assim com o Teatro.

Não fechar os olhos perante o desconhecido, perante o que nos pode vir a agredir de morte ou a seduzir. Arriscar nomear, abordar o que nos perturba para compreender e integrar esse conhecimento no que somos.

Com o Teatro, os gregos iam mais longe nesta atitude de análise porque se colocavam na situação, experienciavam, o que implica, desde logo, verdadeira curiosidade sobre o outro.

O Teatro era um municiador fundamental desta atitude.

Ésquilo, em "Os Persas", coloca todo o povo vencido na condição de personagem trágica. E coloca o povo vencedor, que é também público e comungante da cerimónia, na condição do actor que encarna essa personagem trágica.

Ainda que o objectivo aparente fosse para os autores gregos exaltar os seus feitos históricos, outros objectivos por certo haveria em diferentes graus de consciência.

Com os olhos dos vencidos, os gregos apreendiam não só os valores que motivaram a sua gesta, como, numa espécie de profilaxia social, se colocavam perante a possibilidade (o medo, o horror) de se encontrarem na situação dos vencidos. Sinalizam, assim, o perigo que constitui a arrogância dos poderosos, a insolência dos instalados, a soberba dos privilegiados. É evidente que esta atitude lhes fornece um olhar mais minucioso, mais preparado, sobre si próprios e os outros.

3
Em "As Troianas" e agora em "Os Persas", o vencido é o bárbaro, o outro, o que é portador de uma cultura diferente.

O bárbaro que hoje nos chega vem para sobreviver, não para matar. E existe ainda o bárbaro, como sempre existiu, dentro de nós, cuja diferença nos perturba.

Matamos os dois: o árabe em Paris, o travesti em Copacabana; o faminto do socialismo real em Berlim; Antígona não tem tempo para enterrar os seus irmãos — foi descoberta uma vala enfeitada de mutilados no Kosovo, será encenação?; Prometeu resiste e nós, os homens, juntamos capacidade cirúrgica ao fogo que ele nos deu e iluminamos as noites de Bagdad; os curdos fogem dos iraquianos, os timorenses dos indonésios, os palestinianos dos judeus, os judeus dos nazis (ou já foi? há quanto tempo? agora mudou? agora as botas dos nazis caçam pretos no Bairro Alto?); estenda-se a "tolerância zero" às escolas, aos hospitais, aos lares; o acordo de Shengen coroa a segurança da Europa contra as novas invasões; reforçam-se as penas, constroem-se prisões…

Assim estaremos seguros como nos prometem os políticos por toda a Europa? Fechar os olhos, fechar os olhos ao medo.

4
Pierre Voltz tem acompanhado o trabalho da companhia quase desde a fundação, interferindo na preparação vocal dos actores. Aos poucos, pelo seu trato, experiência e saber, foi-se convertendo em um dos nossos mais queridos mestres. O convite para dirigir "Os Persas", a ele que desde sempre se dedicou aos estudos clássicos e à tragédia, foi, por isso, um passo natural.

5
A ideia temática que percorre este ciclo coincidiu com algumas das preocupações fundamentais das Théâtrales des Jeunes en Europe, projecto co-dirigido por Pierre Voltz, que se propõe sensibilizar jovens de diversas proveniências, com e sem experiência teatral, para a ideia de teatro e de cidadania europeia.

A estreia de "Os Persas", n’A Escola da Noite, deixou de ser o fim de um percurso de montagem, como estava previsto, para se transformar no ponto de partida de um projecto que tentará aliar a formação, o intercâmbio e a criação artística.

Esta diferença implicou alterações na preparação deste espectáculo. A construção assentou num processo formativo alargado onde, com o nosso elenco fixo, participaram quatro estagiários que já estiveram no último ano na companhia (e aqui fazem outro complemento prático) e quatro outros, de origens diferenciadas, do teatro escolar (universitário e secundário), a grupos semi-profissionais e ainda um actor do Elinga-Teatro, companhia angolana com a qual A Escola da Noite tem um protocolo de colaboração. Todos integram um coro onde reside o pulsar afectivo, reflexivo e trágico desta obra fundadora.

Trata-se, portanto, do início de uma "caminhada europeia" que prevê a realização de outros estágios em Portugal, França e Grécia e a apresentação de uma versão final do espectáculo, no final do ano 2000, com actores das três nacionalidades.

6
Contagiar pelo teatro fundando cidadania na sua essência mais profunda, porque o verdadeiro desafio dos gregos com o teatro que faziam é afinal, para nós homens de teatro, ser capazes de trabalhar nas "zonas de fronteira", como dizia Müller.

O teatro como lugar de confronto individual e colectivo com os mistérios da vida e com a vida da cidade, com o destino do homem, na múltipla dimensão que a palavra destino aqui comporta.

O confronto com o teatro grego ofereceu-nos pretextos intermináveis para experimentar (para interrogar) fórmulas expressivas e técnicas no plano da representação, do discurso, da musicalidade, dos ritmos e da sua função na "nomeação emocional do horror". A estranheza da forma arcaica aproximava-nos da contemporaneidade.

O Teatro existe para contrapor outros conhecimentos e formas de sentir. Às vezes apenas pressentimentos, dúvidas, maldições. Existe para produzir inquietação.

A Escola da Noite
in programa do espectáculo. Saiba mais sobre os conteúdos do programa aqui.

Sobre este espectáculo:

•••• Assistiu ao espectáculo? Dê-nos a sua opinião.