Ficha Técnica:
•••• Tradução: António Pescada, a partir do original russo.
•••• Encenação: António Augusto Barros.
•••• Elenco:
•••••••••• Egor MÉRIK, vagabundo > António Jorge
•••••••••• FÉDIA, operário > Eduardo Dias
•••••••••• carteiro | cocheiro > Eduardo Gama
•••••••••• NAZÁROVNA, peregrina > Maria João Robalo
•••••••••• Semion Serguéievitch BORTSOV, latifundiário arruinado > Miguel Magalhães
•••••••••• Maria EGÓROVNA, mulher de Bortsov > Sílvia Brito
•••••••••• KUZMÁ, viajante > Ricardo Kalash
•••••••••• SAVVA, velho romeiro > Rui Valente
•••••••••• EFÍMOVNA, peregrina > Sofia Lobo
•••••••••• TÍKHON, dono da taberna > Valdemar Cruz
•••• Espaço cénico: António Augusto Barros | António Jorge
•••• Figurinos: Ana Rosa Assunção
•••• Adereços: António Jorge | Ana Rosa Assunção
•••• Desenho de luz: Danilo Pinto
•••• Sonoplastia: Eduardo Gama | Sílvia Brito
•••• Grafismo: Ana Rosa Assunção
•••• Fotografia: Augusto Baptista
•••• Execução sonora ao vivo: António Jorge, Eduardo Gama, Sílvia Brito, Ricardo Kalash
•••• Operação de luz: Danilo Pinto
•••• Direcção de montagem: Rui Valente.
•••• Execução de cenografia e montagem: Alfredo Santos | António Jorge | Carlos Figueiredo | Danilo Pinto | Rui Valente
•••• Execução de figurinos: Maria do Céu Simões | Mário da Silva Oliveira
•••• Comunicação e mecenato: Isabel Campante.
•••• Venda de espectáculos: Pedro Rodrigues
•••• Produção: A Escola da Noite
«A tempestade do mundo»
... as pessoas são hoje violentas. Não há delicadeza nem bondade... Gente feroz! Um homem afunda-se e gritam-lhe: «Anda lá depressa, não há tempo para olhar, é um dia de trabalho!» E nem sequer falam em atirar-lhe uma corda...
A corda custa dinheiro...
(Mérik, Na Estrada Real, segunda cena)
Na Estrada Real é, na cronologia da obra teatral de Tchékhov, a primeira das suas peças em um acto. Foi escrita entre 1883 e 1885 e nunca foi representada nem publicada em vida do autor por proibição expressa da censura.
Disse o censor: esta obra é "sombria e sórdida".
Ficou chocado certamente com o estudo que Tchékhov faz do lado nocturno da vida, do lado que se quer escondido e ignorado, das acções e palavras que revelam a decrepitude do corpo, o desalento do espírito, a dor da alma.
Teve medo certamente do poder das acções e palavras que, embora magoadas, revelam o combate e a esperança, reclamam o compadecimento e a compreensão, perseguem a utopia.
Num canto acossado da sociedade, ontem como hoje, há seres que denunciam a fé cega, o preconceito e a miséria intelectual, a falta de solidariedade e reivindicam o direito à justiça.
Difícil é encontrar a palavra certa — ou fazê-la ouvir.
Sílvia Brito, Outubro de 2007
O amor não tem remédio
Escrita em 1884, esta pequena peça de Tchékhov sai um pouco do clima geral do seu teatro, que tende mais para a comédia, mesmo quando a seguir ao título vem a designação: drama em tantos actos. Das peças «de grande formato», só As Três Irmãs surge com a designação de drama. Refira-se a propósito que a peça Ivánov tem duas versões, sendo a primeira designada como comédia e a segunda como drama. Das peças em acto, apenas Na Estrada Real e O Canto do Cisne aparecem com a designação de «estudo dramático». Tudo o resto são comédias, vaudevilles.
Proibida pela censura, a peça só viria a ser editada em 1914, dez anos depois da morte do autor. Naquele tempo e naquela sociedade, não era admissível que um membro da nobreza caísse na degradação que nos é apresentada na peça. E, ao contrário do Albergue Nocturno, peça escrita por Gorki em 1902, com um ambiente muito semelhante mas uma história diferente, esta pobre gente não constitui um submundo urbano, mas é simplesmente o povo comum da Rússia profunda.
Estudo dramático, portanto.
Numa taberna da beira da estrada, uma humanidade diversa mas que comunga das mesmas agruras desta vida reúne-se para pernoitar. Peregrinos, vagabundos, operários, ladrões procuram refúgio contra a intempérie do Outono russo. Tudo parece disposto para uma noite tranquila, tanto quanto o permitem as rudes condições: não há camas, dorme-se nos bancos, no chão, onde calha. Mas a aparente tranquilidade não durará muito. Não tardam os elementos perturbadores. Primeiro Bortsov, o alcoólico, proprietário arruinado que procura na vodca o remédio para os seus males. Males de amor, como se verá. Depois Mérik, vagabundo e ladrão, que com o seu ar de ladrão e arruaceiro transporta também o seu drama pessoal — males de amor, também ele. Falta o revelador de mistérios, que surge na pessoa de Kuzmá, o viajante que reconhece o fidalgo e que desatará as línguas, a sua e as outras. Por último, entra Maria Egórovna, a esposa fugida do fidalgo, causadora de toda a sua desgraça, a «culpada» de tudo. Bortsov, apesar de bêbedo reconhece-a, e revela toda a constância do seu amor. Que mais pode ele fazer? O amor não se cura com vodca. Não há remédio para ele. Ela, embora o reconheça, nega-o e foge.
Mérik, outro amante abandonado, que se queixou de que ninguém inventou ainda um remédio contra as mulheres, ou seja, contra o amor, tenta primeiro dar-lhe uma lição de moral, mas faltam-lhe as palavras. Tenta depois atingi-la com o machado, mas falha e Maria Egórovna sai ilesa.
Entretanto, a revelação do drama, ou dos dramas, atenua os conflitos latentes naquele grupo e mostra um pouco mais a sua condição de humanos.
António Pescada
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