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Na Estrada Real

estudo dramático de Anton Tchékhov

estreia em 19 de Outubro de 2007

Oficina Municipal do Teatro

total de espectáculos - 24
total de espectadores - 612


42ª produção - A Escola da Noite©Outubro2007

Ficha Técnica:
•••Tradução: António Pescada, a partir do original russo.
•••Encenação: António Augusto Barros.
•••Elenco:
•••••••••Egor MÉRIK, vagabundo > António Jorge
•••••••••FÉDIA, operário > Eduardo Dias
•••••••••carteiro | cocheiro > Eduardo Gama
•••••••••NAZÁROVNA, peregrina > Maria João Robalo
•••••••••Semion Serguéievitch BORTSOV, latifundiário arruinado > Miguel Magalhães
•••••••••Maria EGÓROVNA, mulher de Bortsov > Sílvia Brito
•••••••••KUZMÁ, viajante > Ricardo Kalash
•••••••••SAVVA, velho romeiro > Rui Valente
•••••••••EFÍMOVNA, peregrina > Sofia Lobo
•••••••••TÍKHON, dono da taberna > Valdemar Cruz

•••Espaço cénico: António Augusto Barros | António Jorge
•••Figurinos: Ana Rosa Assunção
•••Adereços: António Jorge | Ana Rosa Assunção
•••Desenho de luz: Danilo Pinto
•••Sonoplastia: Eduardo Gama | Sílvia Brito
•••Grafismo: Ana Rosa Assunção
•••Fotografia: Augusto Baptista

•••Execução sonora ao vivo: António Jorge, Eduardo Gama, Sílvia Brito, Ricardo Kalash
•••Operação de luz: Danilo Pinto
•••Direcção de montagem: Rui Valente.
•••Execução de cenografia e montagem: Alfredo Santos | António Jorge | Carlos Figueiredo | Danilo Pinto | Rui Valente
•••Execução de figurinos: Maria do Céu Simões | Mário da Silva Oliveira
•••Comunicação e mecenato: Isabel Campante.
•••Venda de espectáculos: Pedro Rodrigues
•••Produção: A Escola da Noite
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«A tempestade do mundo»

... as pessoas são hoje violentas. Não há delicadeza nem bondade... Gente feroz! Um homem afunda-se e gritam-lhe: «Anda lá depressa, não há tempo para olhar, é um dia de trabalho!» E nem sequer falam em atirar-lhe uma corda... A corda custa dinheiro... (Mérik, Na Estrada Real, segunda cena)

Na Estrada Real é, na cronologia da obra teatral de Tchékhov, a primeira das suas peças em um acto. Foi escrita entre 1883 e 1885 e nunca foi representada nem publicada em vida do autor por proibição expressa da censura.

Disse o censor: esta obra é "sombria e sórdida".

Ficou chocado certamente com o estudo que Tchékhov faz do lado nocturno da vida, do lado que se quer escondido e ignorado, das acções e palavras que revelam a decrepitude do corpo, o desalento do espírito, a dor da alma.

Teve medo certamente do poder das acções e palavras que, embora magoadas, revelam o combate e a esperança, reclamam o compadecimento e a compreensão, perseguem a utopia.

Num canto acossado da sociedade, ontem como hoje, há seres que denunciam a fé cega, o preconceito e a miséria intelectual, a falta de solidariedade e reivindicam o direito à justiça.

Difícil é encontrar a palavra certa — ou fazê-la ouvir.


Sílvia Brito, Outubro de 2007



O amor não tem remédio

Escrita em 1884, esta pequena peça de Tchékhov sai um pouco do clima geral do seu teatro, que tende mais para a comédia, mesmo quando a seguir ao título vem a designação: drama em tantos actos. Das peças «de grande formato», só As Três Irmãs surge com a designação de drama. Refira-se a propósito que a peça Ivánov tem duas versões, sendo a primeira designada como comédia e a segunda como drama. Das peças em acto, apenas Na Estrada Real e O Canto do Cisne aparecem com a designação de «estudo dramático». Tudo o resto são comédias, vaudevilles.

Proibida pela censura, a peça só viria a ser editada em 1914, dez anos depois da morte do autor. Naquele tempo e naquela sociedade, não era admissível que um membro da nobreza caísse na degradação que nos é apresentada na peça. E, ao contrário do Albergue Nocturno, peça escrita por Gorki em 1902, com um ambiente muito semelhante mas uma história diferente, esta pobre gente não constitui um submundo urbano, mas é simplesmente o povo comum da Rússia profunda.

Estudo dramático, portanto.

Numa taberna da beira da estrada, uma humanidade diversa mas que comunga das mesmas agruras desta vida reúne-se para pernoitar. Peregrinos, vagabundos, operários, ladrões procuram refúgio contra a intempérie do Outono russo. Tudo parece disposto para uma noite tranquila, tanto quanto o permitem as rudes condições: não há camas, dorme-se nos bancos, no chão, onde calha. Mas a aparente tranquilidade não durará muito. Não tardam os elementos perturbadores. Primeiro Bortsov, o alcoólico, proprietário arruinado que procura na vodca o remédio para os seus males. Males de amor, como se verá. Depois Mérik, vagabundo e ladrão, que com o seu ar de ladrão e arruaceiro transporta também o seu drama pessoal — males de amor, também ele. Falta o revelador de mistérios, que surge na pessoa de Kuzmá, o viajante que reconhece o fidalgo e que desatará as línguas, a sua e as outras. Por último, entra Maria Egórovna, a esposa fugida do fidalgo, causadora de toda a sua desgraça, a «culpada» de tudo. Bortsov, apesar de bêbedo reconhece-a, e revela toda a constância do seu amor. Que mais pode ele fazer? O amor não se cura com vodca. Não há remédio para ele. Ela, embora o reconheça, nega-o e foge.

Mérik, outro amante abandonado, que se queixou de que ninguém inventou ainda um remédio contra as mulheres, ou seja, contra o amor, tenta primeiro dar-lhe uma lição de moral, mas faltam-lhe as palavras. Tenta depois atingi-la com o machado, mas falha e Maria Egórovna sai ilesa.

Entretanto, a revelação do drama, ou dos dramas, atenua os conflitos latentes naquele grupo e mostra um pouco mais a sua condição de humanos.


António Pescada


in programa do espectáculo. Saiba mais sobre os conteúdos do programa aqui.

Saiba mais sobre o espectáculo aqui


Sobre este espectáculo:

"A Escola da Noite" e a sua última produção teatral

"A Escola da Noite", prestigiosa companhia teatral que em Coimbra exerce a sua actividade, acaba de estrear mais uma das suas produções, levando à cena a peça "Na estrada real. Um estudo dramático", de Anton Tchékhov. Pelo seu perfil soturno e pessimista, pela densidade tensa do seu enredo e pelo mergulho decidido no cone de sombra da alma humana, é de supor que este competente trabalho d'"A Escola da Noite" não seja de molde a satisfazer todas as sensibilidades. Porém, em nosso entender, a produção nada fica a dever aos apontamentos teatrais do mesmo autor que esta companhia trabalhou, com assinalável êxito, levando, sobretudo aos amantes do teatro da zona centro do país, a "arte menor" tchékhoviana.

A peça "Na estrada real" é a parábola de uma decadência provocada pela crueldade de uma paixão não correspondida. Essa parábola exprime-se no interior de uma taberna de estrada, suja e mal frequentada, à qual arribam peregrinos ascéticos, salteadores, mujiques, condutores de diligência e outros ocasionais utilizadores. Um deles, completamente rendido ao jugo do álcool, embora tão miserável quanto os demais, parece querer diferenciar-se pelo uso de uma linguagem mais cuidada e, sobretudo, pelos vestígios de imprecações intimativas, próprias de quem teria sido mandante. O entrecho irá gravitar em torno do drama deste homem. E a revelação progressiva dessa queda no vórtice alcoólico resultará da surpresa do reconhecimento por parte de um viajante inesperado, que conhece os meandros daquela destruição física e moral. No entanto, o génio de Anton Tchékhov torna possível que a peça ultrapasse largamente o simples registo biográfico de uma desqualificação individual e social. O tema oitocentista da mulher fatal, tão caro ao romantismo, é-nos aqui dado não só através do dilaceramento do alcoólico apaixonado, mas também mediante as iradas diatribes do ladrão Mérik (uma composição notável do actor António Jorge, diga-se desde já). Por outro lado, o proverbial confronto entre o Bem e o Mal, com a fluidez relativista da filosofia e da antropologia do grande autor russo, é-nos trazido pelas imprecações trocadas entre o salteador e o grupo de cristãos ou pelas considerações tecidas pelo viajante Kuzmá, quando enumera as circunstâncias nefastas que converteram o latifundiário de outrora num pária miserando, em busca de si próprio. Todo o teatro de Tchékhov é percorrido pelo fio regenerador de uma imensa ternura humana. Essa ternura explicita-se quando as gerais prevenções colocadas pelos circunstantes à dependência alcoólica do protagonista se dissolvem, através do conhecimento das particularidades concretas da sua tragédia afectiva. Todos, então, renunciam a seu favor do correspondente quinhão de vodka. É nesta indulgente complacência suscitada pela fragilidade do ser humano, nesta compassiva e humaníssima exegese das grandezas e misérias da alma, que se contém o segredo da perenidade e da consequente actualidade de Anton Tchékhov.

"A Escola da Noite" é credora do reconhecimento de todos os conimbricences que prezam a Cultura e que procuram, num meio tão avaro de iniciativas (e até de talentos), os respiradouros de alma de que carecem. Tivemos o privilégio de assitir a um magnífico espectáculo, interpretado por um grupo de actores de elevada craveira artística. Se distinguimos António Jorge e Miguel Magalhães, este último com um desempenho em que ombreiam a sensibilidade e a segurança, tal não significa que todos os demais lhes sejam inferiores. Todos atingem, pelo contrário, níveis de excelência. A criação do espaço cénico, por António Augusto Barros e António Jorge, é deveras adequada, no seu minimalismo. Uma especial menção para o desenho de luz, de Danilo Pinto, que reforça a soturnidade do episódio dramático.

Em suma, esta última produção da "Escola da Noite" é de frequência obrigatória para todos os que gostam de bom teatro.


Amadeu Carvalho Homem, professor da Universidade de Coimbra, Diário de Coimbra, 23 de Outubro de 2007


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